E aí pessoal, há quanto tempo hein???
Antes de qualquer coisa, se não leu ainda, leia a tirinha: (se estiver muito pequeno, leia no link: http://awebic.com/cultura/se-voce-acha-que-todos-tem-as-mesmas-oportunidades-da-uma-lida-nessa-historia-em-quadrinhos/)
Tenho
certeza de que ela mexeu com você de alguma forma. Seja por pena da personagem ou por se
identificar com uma delas. Bem, vou dizer o que acho contando a história
de outros garotos, que não se chamam Richard nem Paula.
Angelo é
meu irmão mais velho. Pra se virar quando pequeno, vendia latinhas,
papelão, e o que mais pudesse. Já mais velho trabalhava com minha mãe
como garçom, nas festas em que ela fazia salgados (os melhores neste
mundo). Trabalhou também no balcão do bar que meu pai teve durante certo tempo.
Depois da escola começou a distribuir panfletos, estender faixas de
propaganda nos sinais em Alcântara e São Gonçalo, em horários nada favoráveis à
sua pele branquela. Uma das empresas para as quais panfletava, ao perceber
seu desempenho e postura, o chamou para trabalhar com serviços gerais. Óbvio
que ele aceitou. Foi promovido a vendedor depois de um tempo, promovido
novamente para trabalhar na fábrica desta empresa e hoje possui um cargo importante
de gerência na mesma, sempre conquistando posições sendo o melhor no que fazia e se cobrando bastante para alcançar tal
nível. Se casou, é feliz e rala pra caramba para manter sua performance
profissional e satisfazer suas próprias cobranças.
Angélica
é minha irmã mais nova. Sempre estudou em escola pública. Desde pequena ajuda minha
mãe nas tarefas de casa, de forrar a cama a fazer o arroz do almoço. Sofreu
muito tempo com um desvio na coluna lombar, que rendia a ela muitas viagens ao
Rio para seu tratamento e a chata presença dum colete de fibra, que corrigia a
postura de sua coluna. Fez natação por muitos anos como tratamento e acabou participando
de algumas competições. Ainda nova, trabalhava com minha tia, fazendo tiaras para
bebê e outros enfeites, era uma forma de usar seu talento para tirar uma
graninha. Passava tardes fazendo essas tarefas, além de, é claro, estudar. No
Ensino Médio se formou como Professora de primário em uma escola do Estado,
onde faltavam professores (que triste ironia). Hoje trabalha de manhã e de tarde
como auxiliar de professora para estudar sua tão sonhada faculdade de
Psicologia à noite.
Por fim
sou Munhão. Também sempre estudei em escola pública. Seguindo os caminhos
do meu irmão mais velho, vendia latinhas, cobre, papelão e etc. para vender e
ganhar um dinheiro. Desde cedo tive uma vida corrida entre vários cursos, afazeres
com a igreja e pequenos bicos. Na sexta série, mamãe me matriculou em um curso
de inglês da Prefeitura, no qual precisou virar a noite na fila. Também me
inscreveu em um curso de inglês e um de informática em ONGs do bairro. Mais
tarde conseguiu pagar um cursinho de informática, daqueles que tinham há alguns
anos atrás. Me formei Técnico em Eletrônica no Ensino Médio e logo percebi como
meus pais se viravam para nos dar o básico e um pouco mais. Comecei a trabalhar
aos 17 anos como estagiário em uma Assistência Técnica. Me tornei técnico e
trabalhei lá por quatro anos, neste período estudei Enfermagem, Tecnólogo em
Automação, Engenharia de Controle e Física, sem concluir nenhum deles devido alguns
obstáculos. Hoje trabalho como técnico em uma grande
empresa do ramo de petróleo. Conquistei meu carro e algumas besteiras que sonhava quando
criança, mas meus pais não podiam me dar (aqui leia vídeo games). Estou satisfeito com o
que tenho, tanto material quanto emocionalmente (beijos Lohany) e estou
começando a me arrumar para casar e seguir com minha vida.
Nós três
não tivemos uma vida impossível de difícil, tampouco tivemos uma vida fácil.
Não precisamos trabalhar para sustentar a casa, realidade de muitas famílias
honestas em nosso país, mas tivemos que ralar muito para conquistar alguma
coisa. Tivemos problemas familiares, de saúde (nunca pudemos ter plano), com a
escola (pública e de péssima qualidade) e tudo o mais que se tem por aí aos
montes, ainda mais nos anos 90 e 2000. Bem, parecia muito com a história da Paula
dessa tirinha aí, eu diria.
A
propósito, voltando a ela, quando a li ontem, fiquei muito indignado. Indignado
não, puto mesmo. Pois pessoas por aí, com muitas intenções diferentes, fazem de
tudo para colocar você em algum lugar. Te chamam de vários nomes: Richard,
Paula e etc.. Te dizem que você deve ter uma profissão subordinada, que deve
ganhar pouco, que tem que sustentar alguns malandros a vida toda. Que não tem
chance no vestibular contra os alunos da escola particular, que não tem chance
na entrevista de emprego, contra o pessoal que estudou nos melhores cursos, como
se a sociedade inteira a sua volta já não gritasse isso.
Curioso
que, parando para pensar descobri que conheço muitos tipos de pessoas: Gente
rica que não tem motivação nem para levantar da cama, trata mal sua família e
qualquer um em volta; Gente rica que trabalhou muito a fim de conseguir e
manter o que tem, se ama, faz bem a si mesmo e aos outros; Gente pobre que além
de não querer nada para si mesmo, não quer para os filhos ou para os pais; Também conheço gente pobre que fez de tudo com o objetivo de vencer na vida
(aqui leia alcançar um sonho) e conseguiu, seja para si mesmo ou para outras
pessoas. No meio destas, algumas simplesmente se deixam "ser colocadas em seus lugares". Deixam
que pensem por elas. Outras, fazem acontecer e se colocam no lugar que querem,
literalmente escolhem o que fazer de suas vidas.
Por isso,
vou te contar uma novidade: essa Paula não existe. Aquela personagem colocada
como vítima da história está ali porque quer e, este tipo de tirinha, que faz
você sentir pena de você e de outros, ajuda a te colocar em um lugar que não é o
seu.
Nossa
casa também era (é) úmida e cheia de gente. Meus pais também sempre
trabalharam fora, para sustentar a família. Nós também tivemos problemas de
saúde na infância. Nossas escolas também eram sucateadas e cheias de más
companhias. Nossos professores também eram mal-humorados, infelizes. Nós também
tivemos (temos) que trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Nós também enfrentamos
diversos problemas familiares. Hoje, não somos Paula, porque escolhemos não
ser. Não por conquistas materiais ou por qualquer coisa que pode ser
contabilizada ou mostrada, mas (como tantos outros que compartilham este
enredo) por aprendermos que somos vítima apenas de nossas próprias escolhas e
nos tornamos pessoas que escrevem o rumo de sua própria história.